quinta-feira, agosto 17, 2006

Ai Portugal Portugal...

Leiam este texto escrito por um professor de filosofia que escreve semanalmente para o jornal O Torrejano.
Tudo o que ele diz é tristemente verdadeiro...O atestado médico por José Ricardo Costa Imagine o meu caro que é professor, que é dia de exame do 12º ano e vaiter de fazer uma vigilância.Continue a imaginar. O despertador avariou durante a noite. Ou fica presono elevador. Ou o seu filho, já à porta do infantário, vomitou o quente, pastoso, húmido e fétido pequeno-almoço em cima da sua imaculada camisa.Teve, portanto, de faltar à vigilância. Tem falta.Ora esta coisa de um professor ficar com faltas injustificadas écomplicada, por isso convém justificá-la. A questão agora é: como justificá-la?Passemos então à parte divertida. A única justificação para o facto deficar preso no elevador, do despertador avariar ou de não poder ir parauma sala do exame com a camisa vomitada, ababalhada e malcheirosa, é um atestado médico.Qualquer pessoa com um pouco de bom senso percebe que quem precisa aqui doatestado médico será o despertador ou o elevador. Mas não. Só uma doençapoderá justificar sua ausência na sala do exame. Vai ao médico. E, a partir este momento, a situação deixa de ser divertida para passar a serhilariante.Chega-se ao médico com o ar mais saudável deste mundo. Enfim, com osorriso de Jorge Gabriel misturado com o ar rosado do Gabriel Alves e a felicidade do padre Melícias. A partir deste momento mágico, gera-se umfenómeno que só pode ser explicado através de noções básicas dapsicopatologia da vida quotidiana. Os mesmos que explicam uma hipnosecolectiva em Felgueiras, o holocausto nazi ou o sucesso da TVI. O professor sabe que não está doente. O médico sabe que ele não estádoente. O presidente do executivo sabe que ele não está doente. O directorregional sabe que ele não está doente. O Ministério da Educação sabe que ele não está doente. O próprio legislador, que manda a um professor quefica preso no elevador apresentar um atestado médico, também sabe que oprofessor não está doente.Ora, num país em que isto acontece, para além do despertador que não toca, do elevador parado e da camisa vomitada, é o próprio país que está doente.Um país assim, onde a mentira é legislada, só pode mesmo ser um país doente.Vamos lá ver, a mentira em si não é patológica. Até pode ser racional, útil e eficaz em certas ocasiões. O que já será patológico é o desejo quetemos de sermos enganados ou a capacidade para fingirmos que a mentira éverdade.Lá nesse aspecto somos um bom exemplo do que dizia Goebbels: uma mentira várias vezes repetida transforma-se numa verdade. Já Aristóteles percebiauma coisa muito engraçada: quando vamos ao teatro, vamos com o desejo euma predisposição para sermos enganados. Mas isso é normal. Sabemos bem, depois de termos chorado baba e ranho a ver o "ET", que este é um boneco eque temos de poupar a baba e o ranho para outras ocasiões. O problema éque em Portugal a ficção se confunde com a realidade. Portugal é ele próprio uma produção fictícia, provavelmente mesmo desde D.AfonsoHenriques, que Deus me perdoe. A começar pela política. Os nossospolíticos são descaradamente mentirosos. Só que ninguém leva a mal porquejá estamos habituados. Aliás, em Portugal é-se penalizado por falar verdade, mesmo que seja por boas razões, o que significa que em Portugalnão há boas razões para falar verdade. Se eu, num ambiente formal, dissera uma pessoa que tem uma nódoa na camisa, ela irá levar a mal. Fica ofendida se eu digo isso é para a ajudar, para que possa disfarçar a nódoae não fazer má figura. Mas ela fica zangada comigo só porque eu vi anódoa, sabe que eu sei que tem a nódoa e porque assumi perante ela que sei que tem a nódoa e que sei que ela sabe que eu sei. Nós, portugueses,adoramos viver enganados, iludidos e achamos normal que assim seja. Porexemplo, lemos revistas sociais e ficamos derretidos (não falo do cérebro, mas de um plano emocional) ao vermos casais felicíssimos e com vidas desonho.Pronto, sabemos que aquilo é tudo mentira, que muitos deles divorciam-seao fim de três meses e que outros vivem um alcoolismo disfarçado. Mas adoramos fingir que aquilo é tudo verdade.Somos pobres, mas vivemos como os alemães e os franceses. Somos ignorantese culturalmente miseráveis, mas somos doutores e engenheiros. Fazemosmalabarismos e contorcionismos financeiros, mas vamos passar férias a Fortaleza. Fazemos estádios caríssimos para dois ou três jogos em 15 dias,temos auto-estradas modernas e europeias, mas para ver passar, a seu lado,entulho, lixo, mato por limpar, eucaliptos, floresta queimada, barracões com chapas de zinco, casas horríveis e fábricas desactivadas.Portugal mente compulsivamente. Mente perante si próprio e mente perante omundo.Claro que não é um professor que falta à vigilância de um exame por ficar preso no elevador que precisa de um atestado médico. É Portugal queprecisa, antes que comece a vomitar sobre si próprio.
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